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O poder da dúvida

Entenda como a dúvida impacta a mente coletiva, moldando a sociedade e tornando-a suscetível à manipulação e descubra a importância de superar a dúvida para alcançar a verdade e a auto-superação.

Índice do artigo

Uma das questões mais frequentes envolvendo as pautas de discussão do senso comum é a veracidade de teorias conspiratórias que incluem a existência de grupos de domínio e controle da humanidade, estratégias de manipulação a nível filosófico, teológico e científico, além de práticas de engenharia social.

Por um lado, há pessoas altamente entregues à enganação que o sistema provoca na mente do ser humano.

Para essas pessoas, o ser humano está perdido, e não há força coletiva que seja capaz de mudar esse quadro, a não ser um cenário de total desobediência civil, em que os indivíduos abrem mão de tudo que lhes é imposto como leis, obrigações civis, etc para retomar o poder.

Por outro lado, há uma maioria de pessoas que reconhecem as crueldades do sistema, mas acreditam piamente que a força do povo, da vontade geral, prevalece, e que há direitos inalienáveis que dão poder ao povo em relação aos seus governantes.

Para esse grupo, os indivíduos precisam assumir a responsabilidade pelas crises mundiais e acreditam que os instrumentos institucionais, políticos e científicos podem mudar o jogo.

Em resumo, ambos os grupos reconhecem o poder da consciência individual na construção de uma resultante coletiva que pode transformar o mundo, mas têm visões distintas sobre o papel das instituições.

Porém, nas múltiplas camadas políticas, ideológicas, de valores morais coletivos e princípios individuais que envolvem esse cenário, há uma constante que, desde os tempos mais primórdios, se mantém como uma constante inalterável: a dúvida.

Reconheço que, ao presenciar eventos inexplicáveis, existem pessoas que reforçaram suas certezas em relação a questões ufológicas, religiosas, entre outras.

Porém, a própria justificativa para a certeza nesses casos parte de uma incerteza: na ausência de fundamento científico, as pessoas pautam sua certeza na não explicação do fenômeno, o que provoca uma espécie de “conformismo” do indivíduo em uma decisão não racional, que é a de aceitar que a não justificação do fenômeno é a maior prova de que ele veio de forças do além, sejam elas extraterrenas, ou divinas.

A palavra “dúvida” tem sua origem no latim “dubita”, que é o imperativo do verbo “dubitare”, que significa “duvidar”.

O verbo “dubitare” deriva de “dubius”, que significa “duvidoso” ou “indeciso”, e este, por sua vez, se origina de “duo”, que significa “dois”.

A ideia subjacente é a de estar dividido entre duas opções ou caminhos, levando a um estado de incerteza ou hesitação.

Portanto, a etimologia da palavra “dúvida” remete a esse estado de incerteza ou indecisão, originalmente derivado da ideia de estar dividido entre dois pontos de vista ou escolhas.

Sendo assim, até as mais profundas certezas do ser humano estão sujeitas a uma questão de conformidade entre o que pode e o que não pode ser explicado e essa condição tem profunda intimidade com o significado da palavra “dúvida”.

Partindo disso, abordaremos neste artigo os efeitos da dúvida sobre o ser humano dando ênfase à configuração mental, ou mindset, que isso pode criar na sociedade comum e como isso pode ser um poderoso aliado daqueles que estão em níveis mais elevados na pirâmide do poder, sejam essas pessoas as instituições, os banqueiros, os políticos, etc.

Começarei o artigo falando sobre como a dúvida torna os indivíduos suscetíveis à manipulação, depois abordarei um pouco sobre o padrão dialético.

Para finalizar, citarei alguns exemplos práticos de como isso acontece, seguindo de uma visão sobre como encontrar o caminho da certeza e uma conclusão com reflexões importantes sobre o mundo e a condição em que nos encontramos como sociedade.

O poder da dúvida na manipulação do senso comum

Para vivermos em harmonia e equilíbrio, precisamos estar profundamente conectados com a realidade.

Veja bem, de maneira bem simples, o que se manifesta em nossa realidade é uma projeção exata do que está registrado “dentro” de nós.

De forma prática, se a nossa realidade nos oferece um grande risco e um ambiente hostil e inseguro, provavelmente, dentro de nós estamos tomados pelo medo, pela incerteza e pela insegurança. Esse é apenas um exemplo do complexo sistema de projeção que nós somos.

O ponto é que um ambiente de dúvidas nos torna suscetíveis a uma alteração da consciência chamada dissociação.

Na psicologia, a dissociação é um processo mental onde ocorre uma desconexão entre pensamentos, identidade, consciência, memória e/ou percepção.

Esse fenômeno pode variar de experiências comuns, como se perder em um livro ou filme, até formas mais severas, como aquelas encontradas em transtornos dissociativos.

Isso significa que há uma interrupção ou descontinuidade na consciência, memória, identidade, ou percepção do ambiente que pode resultar em uma sensação de desconexão de si mesmo ou do mundo ao redor.

Quando um indivíduo está em um ambiente de profunda incerteza, essa situação pode agravar a dissociação de várias maneiras:

Aumento do estresse

Ambientes de incerteza elevam os níveis de estresse e ansiedade.

O estresse crônico é um fator de risco para a dissociação, pois a mente tenta proteger-se da sobrecarga emocional.

Sensação de perda de controle

A incerteza pode levar a uma sensação de perda de controle sobre a própria vida e circunstâncias.

Esta sensação de impotência pode desencadear episódios dissociativos como uma maneira de evitar confrontar essa realidade angustiante.

Falta de estabilidade

A estabilidade e a previsibilidade são importantes para a saúde mental.

Em ambientes de incerteza, a falta de uma base segura pode fazer com que as pessoas sintam que precisam se distanciar da realidade para lidar com a instabilidade.

Comprometimento das funções cognitivas

A incerteza prolongada pode afetar negativamente a capacidade cognitiva, tornando mais difícil processar informações e tomar decisões.

A dissociação pode aumentar como uma resposta ao caos mental.

Portanto, a dissociação em um ambiente de profunda incerteza é frequentemente uma resposta ao estresse intenso e contínuo, e pode se manifestar como um meio de autoproteção psicológica, embora muitas vezes a um custo significativo para o funcionamento emocional e cognitivo do indivíduo.

Em um ambiente moldado pela dúvida, somado a um cenário pré-apocalíptico como o que estamos vivendo desde o final do século passado, as sociedades foram moldadas em um padrão de mentalidade coletiva que tem forte semelhança com os sintomas que foram citados acima.

Esse padrão vem se acumulando, e a dissociação coletiva se tornou algo normal, que passa despercebido.

A incerteza também caiu na normalidade, e com isso, a sociedade aprendeu que é necessário que haja instrumentos econômicos, morais, religiosos, entre outros, para lidar com tamanha instabilidade que o mundo tem vivido.

Dialética: como a dúvida configura a nossa mentalidade

A dialética é um dos mais importantes instrumentos de percepção da filosofia.

Como aprofundamos no Programa Mecanismo, desenvolver o olhar dialético nos permite compreender o ritmo e a dinâmica pela qual a realidade é construída e transformada.

Sendo assim, compreender a dialética nos serve não só como uma espécie de antídoto para a dissociação negativa, como também como uma “lente” para a nossa percepção.

Recomendo que faça o Programa Mecanismo para descobrir o quão longe podemos chegar com a compreensão da dialética.

No Programa Mecanismo, apresento a dialética da seguinte forma:

“No sentido moderno, a dialética é compreendida como o modo de pensar as contradições da realidade e entendê-la como essencialmente contraditória e em constante transformação, porém, o conceito passou por um processo histórico e “evoluiu” de um aspecto subjetivo para uma concepção objetiva.”

Programa Mecanismo

A partir disso, quero dar destaque ao termo “contradição”.

Uma contradição surge de uma afirmação. Ela é uma adição contrária a essa afirmação.

A gradiente entre a afirmação e sua contradição sintetiza a coisa e cria um processo de transmutação mental que pode se manifestar no mundo dos sentidos ou não, podendo isso acontecer em diferentes graus e gêneros.

Além disso, a primeira afirmação é o que dá solidez à possibilidade de algo existir ou não. Ao afirmar, o indivíduo já se torna receptivo à contradição, o que desperta nele a dinâmica dual da aceitação e da rejeição.

Então, quando se afirma que há verdades que são ocultadas da sociedade – não importa o tamanho dessa verdade, seja uma decisão política, uma prática de lobby, ou até mesmo verdades sobre a origem e evolução da nossa espécie – automaticamente o indivíduo aceita que vive em uma realidade moldada por informações incompletas e distorcidas.

Até onde isso vai nunca saberemos, mas o simples fato de aceitar essa possibilidade já traz conformidade em relação ao fato.

Dúvida, possibilidade e realidade

Mas afinal, como a dúvida age na configuração da mente coletiva?

A seguir, vou exemplificar a ação da dúvida não no aspecto individual, mas sim no aspecto coletivo que, por sua força moral e impositiva, faz com que o indivíduo aceite uma verdade (ou mentira) tornando o objeto de debate uma possibilidade que, sendo real ou ficção, passa a fazer parte da realidade, levando os indivíduos à conformidade.

Então, seguem alguns exemplos que retratam bem essa questão:

Contaminação

Recentemente, li uma notícia em que cientistas afirmam ter encontrado quantidades significativas de plástico no organismo dos seres humanos.

Ninguém sai por aí comendo plástico, mas todos armazenamos nossos alimentos nesse tipo de utensílio.

O problema se estende a uma discussão ampla sobre a toxicologia dos alimentos, cosméticos, etc.

Há várias teorias que mostram o quanto estamos expostos e contaminados, enquanto outras mostram que é exagero e que a quantidade de tóxicos presentes nesses produtos não é suficiente para nos causar danos.

Tal discurso faz com que os indivíduos aceitem o fato de que há um processo de intoxicação do ser humano, mesmo desconhecendo ou negando a complexidade disso e até onde isso pode afetar o futuro da nossa espécia e a qualidade de vida dos indivíduos no presente.

Opressão

Muito se discute sobre grupos que oprimem e grupos que são oprimidos.

Na “pista de dança”, há uma parcela de indivíduos que foca na defesa dos oprimidos, enquanto outros buscam combater os opressores.

Em todos os lados, direito ou esquerdo, há opressores e oprimidos, e no ritmo dessa dança envolvente em que os opostos “se encaixam” perfeitamente na discussão sobre quem é mais injustiçado ou quem está certo ou errado, bem no fundo disso tudo, todos aceitam a opressão.

Manipulação

A mídia é manipuladora? No consenso geral, sim.

Até onde a mídia manipula? Aqui já entramos em uma longa discussão.

Programação preditiva, eleições, construção de tradições e ideologias, propagação de mentiras, inversão de valores…

As possibilidades e os discursos são como um agitado oceano.

Se a mídia manipula a sociedade a níveis profundos ou rasos, se isso afeta as nossas escolhas ou não e até onde isso vai eu não posso dizer, tudo que eu sei é que ao especular a manipulação, a sociedade afirma a sua existência.

Deep state

A existência de um estado profundo é uma das questões mais debatidas nos dias de hoje.

Até onde vai o poder desses grupos de domínio?

Seria possível a existência de um grupo tão restrito de pessoas que é capaz de controlar a humanidade há tanto tempo?

Ou será que isso é mais uma viagem conspiratória e o problema é o sistema capitalista e as instituições que ditam as regras?

A partir do momento em que se afirma tal possibilidade, a sociedade torna possível que haja um poder centralizado que pode controlar a sociedade.

Como eu disse em um post lá no Instagram, “se o mundo tivesse certeza sobre a existência (ou não) das sociedades secretas, elas não seriam secretas. A dúvida nesse contexto é um poderoso instrumento dialético para que tais grupos de domínio se perpetuem no poder.”

Formato da Terra

A Terra é plana ou redonda?

Essa discussão, envolta em ódio e intolerância, não apenas reforça a dissociação coletiva, como também faz com que os indivíduos afirmem a possibilidade das distorções científicas.

Não é apenas sobre o formato da Terra, mas até onde a ciência detém o monopólio da verdade e pode alterar a nossa percepção em relação à existência, à origem e à realidade.

Quando caímos na defesa por verdades científicas, intrínscecamente aceitamos que tais verdades não dependem de nós, mas sim das instituições que detém o controle do conhecimento.

O caminho para superar a dúvida

Ao analisar termos opostos e complementares da palavra dúvida, temos palavras como certeza, vontade, ação, decisão, etc.

Superar a dúvida não significa eliminá-la, afinal, ela é uma peça fundamental para a nossa busca pela verdade.

A dissociação, citada anteriormente em um caráter negativo, também tem seu caráter positivo.

Para Jung, a dissociação é necessária no processo de transcendência da psique do indivíduo em direção à totalidade.

Na aula “Já estamos no Admirável Mundo Novo?” disponibilizada para os alunos do Programa Mecanismo, eu disse o seguinte:

“Carl Jung viu a dissociação como uma parte natural da psique.

Na visão dele, a dissociação é a ideia de que nossa mente é capaz de separar e lidar com coisas diferentes ao mesmo tempo.

É como se a mente dividisse seu foco para lidar com aspectos opostos, como o interior e o exterior. Essa capacidade é fundamental para o equilíbrio psicológico.

Ele descreveu a dissociação como uma necessidade da mente para operar em uma faculdade sem ser prejudicada pelo seu oposto. Essa dissociação estrutural se reflete em sua teoria dos Tipos Psicológicos.“

Já estamos no Admirável Mundo Novo? – Programa Mecanismo

O ponto é que a interação entre a mente e a consciência requer esse mecanismo de “ajuste”, porém, isso pode ser utilizado como uma barreira ao processo de evolução dos indivíduos em suas “jornadas do herói”.

Viver é superar a si mesmo. A superação depende da dúvida, pois ela é o caos que nos permite a ordenação do nosso eu ao longo dessa jornada.

O oposto da dúvida, seja isso a ação, a vontade, a decisão ou a certeza, se manifesta à medida que progredimos nesse processo de superação.

A sensação de certeza deve ser modulada a partir da constante superação da dúvida e isso depende muito mais de nós do que do sistema em que estamos inseridos. É nesse momento que a dissociação deixa de ser positiva e se torna negativa.

Como indivíduos que buscam a expansão dentro do equilíbrio, cabe a nós neutralizar os opostos.

A vontade de superar a dúvida, tendo-a com clareza em sua consciência, ou seja, em sua noção do presente, está intimamente relacionada ao que Nietzsche chamou de “Vontade de Poder”.

Nietzsche vê a vontade de poder como a força primordial e essencial da vida. Para ele, tudo na natureza é movido por um desejo de afirmar e expandir seu poder. Isso inclui não apenas os seres humanos, mas todos os seres vivos.

Portanto, vejo que o caminho para a superação da dúvida não é a busca pela verdade em si, ou a Vontade de Verdade, a ânsia por defendê-la, ou o apego excessivo a estar certo.

Nesse sentido, a superação da dúvida é exatamente a sua aceitação e a vontade de superá-la.

Considerações finais

No sistema em que estamos inseridos, a dúvida é utilizada como instrumento de submissão.

Ao nos apegarmos às meias verdades e vivermos nessa interminável cruzada na busca por transformar essas verdades relativas em verdades absolutas, nos distanciamos do que as coisas podem ser: meios para contemplar as nossas jornadas de ascensão.

A dúvida, quando utilizada como instrumento de dominação da mentalidade coletiva, é um fluxo invertido, utilizado para operar o simulacro.

Um simulacro é uma cópia ou imitação de algo que não tem o original ou cuja relação com a realidade original é distorcida ou inexistente.

Em outras palavras, um simulacro é uma representação que não se refere a uma realidade existente ou que se desliga completamente de qualquer referência ao real. Ele é uma cópia sem um original ou cuja relação com o original é irrelevante ou fictícia.

Os fluxos naturais não geram simulações, mas sim realidades puras que permitem que os indivíduos realizem sua Vontade Superior que é a ascensão.

Entender a dúvida como natural não significa aceitar viver em um simulacro, mas sim torná-la um instrumento para a superação de si mesmo dentro da simulação.

Portanto, não se apegue às falsas certezas, ou não se sinta angustiado quando estiver enfrentando um dilema. Não se envergonhe por estar errado, ou se sinta culpado ao cometer um erro que poderia ser evitado se você tivesse pensado direito no momento da dúvida.

Tudo isso faz parte da sua jornada, e cada momento vivido é uma etapa contemplando seu processo de auto-superação.

Espero que essa informação tenha sido útil.

Um forte abraço,
Luiz do @foradesenso

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Pensamentos
Luiz

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