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O Caso da Jovem na Indonésia

Uma Reflexão Sobre Responsabilidade e Realidade

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Nos últimos dias, o Brasil inteiro acompanhou o caso da jovem turista brasileira que caiu de um penhasco na Indonésia.

Foi uma mobilização gigantesca, em nível mundial. Não só pelos esforços de resgate, mas também pela comoção, pelas correntes de oração, pelas hashtags, pelos desejos — quase desesperados — de que tudo desse certo no final.

Não deu. A jovem foi encontrada sem vida.

E o que nos resta agora é refletir.

E aqui, neste artigo, eu vou trazer algumas reflexões sobre esse movimento coletivo, sobre o comportamento humano e, principalmente, sobre as ilusões que sustentam nossa percepção da realidade.

Quando a Realidade Não É Como Você Quer

Eu também viajo. Sou turista. Faço isso várias vezes ao ano.

Inclusive, estive recentemente no Amazonas, num passeio em que as condições de segurança eram, no mínimo, questionáveis.

Passeios como esse que eu fiz já foram palco de desaparecimentos, acidentes e tragédias. Exatamente como o que aconteceu na Indonésia e em outros lugares do mundo incontáveis vezes.

Mas o ponto aqui não é discutir segurança de passeios turísticos. O ponto é outro — muito mais incômodo, muito mais real.

O que tomou conta do discurso coletivo nos últimos dias foi basicamente uma histeria coletiva sobre o atraso no resgate.

“Por que não usaram helicóptero?”
“Por que não mandaram drone?”
“Por que não aceleraram as buscas?”
“Se fosse no Brasil já teríam resgatado”.

Esse é o resumo perfeito da mentalidade coletiva: gente projetando suas frustrações, suas limitações e suas ilusões sobre realidades cuja percepção não pode alcançar.

A Projeção Coletiva: Quando o Julgamento Vira Fuga

O que aconteceu na Indonésia não foi só uma tragédia. Foi também um escancaramento de como nós espelhamos e projetamos nossa realidade individual na coletiva — sem ao menos perceber que isso está acontecendo.

Cada pessoa que se manifestou — indignada, revoltada, crítica — fez isso a partir do seu próprio perímetro de percepção.

Gente imediatista reage de forma imediatista. Gente catastrófica reage com catástrofe. Gente rancorosa despeja rancor. Gente controladora quer ditar como o mundo deveria funcionar. E o mais interessante (ou trágico) é que nenhuma dessas manifestações leva em conta a própria realidade pessoal.

Por que o discurso coletivo nunca é: “Nunca estive em experiências assim… sou ignorante sobre isso, então tudo que posso é desejar que aconteça o melhor”?

Porque a realidade daquele lugar, daquelas condições, daquela cultura, daquele terreno… é completamente diferente da realidade de quem está sentado no sofá, julgando tudo pelo feed do Instagram.

O discurso coletivo é enviesado porque parte da premissa de que todo mundo sabe o que deveria ter sido feito.

Só que… não sabe. E não tem como saber.

Nem sobre o que deveria ter sido feito. Nem sobre o que realmente aconteceu.

Essa é uma verdade completamente fragmentada — e a percepção de quem nunca esteve lá é totalmente distorcida.

Pensa assim:

A percepção de quem já esteve lá é mais limitada do que a percepção de quem trabalha naquela região.

Logo, a percepção de quem nunca nem saiu de casa pra viver uma aventura — o que provavelmente corresponde à grande maioria das pessoas que acompanharam o caso — é completamente distante da realidade.

Cada percepção é condicionada pela experiência que cada um tem da realidade.

E quem nunca foi nem numa trip na roça não faz ideia do que é uma experiência como essa.

E o grande problema disso é que todo mundo assume uma responsabilidade, ao se tornar parte da notícia — ou do “hype” — que não é capaz de assumir.

E aí, no fim das contas, o que nós temos é um desequilíbrio geral, que pesa não só na vida de cada um, como — e, principalmente — na vida de quem está diretamente envolvido com o fato.

Nós estamos cada vez mais acostumados a assumir a responsabilidade por aquilo que não temos a menor condição de sustentar — nem o mínimo de coerência entre isso, nossos pensamentos e nossas ações.

E esse tipo de postura é contagiosa.

A nossa capacidade de responder à vida é diretamente proporcional à nossa experiência real, concreta, vivida.

E é preocupante ver pessoas que nunca saíram do próprio bairro dando opinião sobre resgate numa região vulcânica da Indonésia — agindo por puro descontrole emocional, projetado num fato que, no momento, é o menor dos seus problemas.

Sim. É o menor dos problemas.

Porque antes de toda notícia, tem a vida. A vida que está acontecendo bem diante de nós.

Problemas muito maiores que podem destruir nossa família, nossa saúde… E que nós estamos deixando passar, por estarmos distraídos demais, nos responsabilizando por aquilo que não temos o menor controle.

Isso é mais comum do que parece.

Na verdade, esse é o modo operacional padrão da mentalidade coletiva.

Quem Realmente Perdeu a Vida?

Só quem esteve lá sabe o esforço físico absurdo que é fazer uma trilha como aquela.

Só quem esteve lá sabe o que significa estar num ambiente afetado por vulcões, escarpas, clima instável, terreno inóspito.

E sim, isso precisa ser dito: ela, assim como todos os turistas que estão, estiveram e estarão ali, sabem onde estão se metendo.

Isso não é culpabilizar a vítima. Isso é reconhecer que ela assumiu os riscos da vida que escolheu viver.

Ela estava vivendo uma vida de escolhas radicais. Estava trocando conforto por aventura.

Estava pagando o preço — e vivendo os bônus — de uma vida que poucos têm coragem de viver.

Aquela menina assumiu uma responsabilidade gigantesca ao viver algo que já tinha valido super a pena.

Apesar do sofrimento que ela passou, sem dúvidas, ela já estava realizada com a sua jornada.

A maioria das pessoas vão achar que não valeu, que seria melhor ficar em casa vendo um documentário sobre as montanhas da Indonésia…

Mas ela, enquanto esteve viva, viveu. Viveu de verdade.

E talvez isso seja muito mais do que a maioria das pessoas vai conseguir dizer quando estiver deitada numa cama de hospital, daqui a 40 anos, cheia de arrependimentos e de desculpas mal contadas sobre tudo que não teve coragem de fazer.

Aquela menina, com seus 20 e poucos anos, já tinha vivido algo que contemplou sua existência como poucos serão capazes de contemplar.

Ela foi responsável… e muito.

Enquanto isso, a grande maioria de nós continuamos nos isentando da nossa responsabilidade.

A isenção de responsabilidade não acontece só quando alguém comenta numa postagem: “Absurdo isso, tinha que ter feito tal coisa…”

A isenção de responsabilidade acontece no dia a dia, quando você escolhe não viver.

Acontece quando você escolhe não se expor à suas próprias vulnerabilidades, não se arriscar em uma mudança de postura, não sair da sua zona de conforto.

Acontece toda vez que você troca liberdade por segurança — e ainda tenta romantizar essa covardia como “ser responsável”.

Só que não. Isso não é responsabilidade. Isso é medo. É fuga. É morte antecipada.

A garota que morreu na Indonésia pagou um preço alto. Mas, diferente da maioria, ela sabia que estava pagando esse preço.

Ela foi extremamente responsável pela vida que escolheu viver, mesmo que a maioria das pessoas achem o contrário.

Ela foi responsável no sentido mais puro do termo: capacidade de responder à própria realidade.

Ao olhar para a sua própria vida, ela optou pelo novo, ela soube perceber onde estava e a partir disso tomou uma decisão de expandir, de viver o novo.

E não tem nada mais digno e poderoso do que isso: reconhecer onde está e escolher o caminho que nos faz vibrar.

E se existe alguma definição minimamente aceitável sobre o que significa “se encontrar com Deus”… Provavelmente, aquela garota entendeu isso muito antes do seu fim.

Espero que essa reflexão tenha sido útil.

Até a próxima!

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